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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Estatuto do Torcedor e sua efetivação

 (por: Sylvio Ferreira da Silva - Direito - FND-UFRJ)

Resumo: O projeto visa analisar se o disposto no Estatuto do Torcedor é realmente observado, se não, as causas de seu não cumprimento, além de sua influência em eventos desportivos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos a serem realizados no Brasil. Visa também apontar possíveis soluções para a sua efetivação.

Metas: Identificar entraves ao cumprimento da lei e apontar possíveis soluções para sua maior efetivação.

Importância: Sendo o Estatuto do Torcedor importante fonte garantidora de direitos para todos aqueles que apreciam, apoiam ou acompanham o desporto, e sendo o esporte, integrante do nosso patrimônio cultural e característica fundamental do sentimento de patriotismo do brasileiro, mister se faz que o disposto na Lei 10.671 seja de fato observado. E a identificação de problemas e apontamento de possíveis soluções no texto legal e na sua aplicação é ponto fundamental desse processo. 



O que se entende por efetivação de uma norma?

A efetividade ocorre quando o que a norma jurídica preceitua é de fato posto em prática, quando há o real cumprimento de suas cláusulas. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2009, p:220) afirma que:

 A efetividade, em suma,  significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
 [1]

Na mesma linha de pensamento, Ana Paula de Barcelos (2002, p:235) ensina:

A realidade é, por natural, um elemento indissociável do pensamento jurídico, embora não caiba a este reproduzi-la, pois se o direito se limitasse a repetir a realidade, seria totalmente desnecessário. Porém, existe uma distância máxima que há de mediar entre o dever ser normativo e o ser do mundo dos fatos, para que continue a existir comunicação entre os dois mundos e a realidade mantenha, assim, um movimento progressivo de aproximação do dever ser. Ultrapassado esse limite, e rompido esse equilíbrio, o direito perde a capacidade de se comunicar com os fatos.
                
O escopo do presente trabalho é exatamente analisar se essa distância máxima entre a realidade fática e o previsto pelo Estatuto do Torcedor está sendo observada.


Breve Contextualização histórica


A Lei 10671/2003 denominada Estatuto de Defesa do Torcedor foi criado com o fito de fornecer ao consumidor do esporte instrumento adequado a atender suas demandas e necessidades específicas. Vale ressaltar o cenário de recorrente violência nos estádios quando de sua criação e as CPIs do futebol, que expuseram a falta de regras  que disciplinassem a atuação dos dirigentes de clubes além da utilização de certos artifícios à margem da lei, como contratos informais, movimentações financeiras em paraísos fiscais, e propinas. O Estatuto do Torcedor foi alterado pela Lei 12299/2010 que dispõe a respeito de medidas de prevenção e repressão aos fenômenos de violência por ocasião de competições esportivas, e acrescentou e alterou diversos dispositivos da Lei 10671/03. A Lei Geral da Copa, a seu turno, acrescentou o inciso X ao artigo 13-A, que dispõe sobre a não utilização de bandeiras e similares para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável.

O projeto de lei que deu origem ao Estatuto foi enviado ao congresso em 2002, ainda no governo de Fernando Henrique Cardozo. O projeto ressaltava a importância da organização desportiva no Brasil, reconhecida como patrimônio cultural brasileiro e destacava o torcedor como elemento fundamental para sobrevivência e desenvolvimento do esporte, mas que a despeito de sua importância tinha seus direitos humanos e de consumidor flagrantemente desrespeitados. Destacava ainda, a ineficiência da equiparação do torcedor com o consumidor feita pela Lei Pelé, visto que certas lesões sofridas pelos torcedores ou não tinham previsão expressa no Código do Consumidor ou possuíam interpretação divergente de seu alcance. No trecho transcrito a seguir, nota-se a influência que tiveram alguns eventos na elaboração do Estatuto do Torcedor:

Face aos inúmeros acidentes envolvendo torcedores em eventos esportivos, restou estabelecido como direito do torcedor a realização de competições em local seguro e com as mínimas condições de higiene, com a garantia de seguro de acidentes pessoais, orientação interna e externa nos estádios, e implementação de planos de ação referentes à segurança, transporte e possíveis contingências.

Entre os acidentes, anteriores a criação do Estatuto, envolvendo torcedores em eventos desportivos, o único ao qual o texto do projeto de lei faz clara referência é o ocorrido entre o Vasco da Gama e o São Caetano na decisão da Copa João Havelange de 2000, em que inúmeros torcedores ficaram feridos após a queda do alambrado do estádio de São Januário. O texto atribui tal incidente a falta de legislação protetora e à impunidade decorrente dessa situação crítica. Sobram exemplos de situações parecidas. Na decisão do Campeonato Brasileiro de 1992, por exemplo, a superlotação do Maracanã deixou três mortos e 90 feridos. E para provar que os incidentes não aconteciam só em jogos de grande vulto, em 1995, um torcedor morreu e outros 101 ficaram feridos durante briga entre palmeirenses e são-paulinos, no Pacaembu, na final da Supercopa de Futebol Junior. Cabe ressaltar a preocupação em coibir a inobservância dos dispositivos propostos:

Com o intuito de que o presente projeto não caia no esquecimento, e produza os efeitos idealizados pelo Grupo de Trabalho e por milhões de torcedores, fixaram-se sanções para coibir a inobservância dos dispositivos propostos, de acordo com a natureza da infração, cabendo desde a destituição ou suspensão dos dirigentes esportivos, até o impedimento e a suspensão de benefícios fiscais.

Observa-se aqui ulterior preocupação quanto ao real cumprimento da lei, tendo sido fixadas sanções para coibir seu descumprimento. O que mostra que a falta de efetividade do Estatuto do Torcedor já era imaginada desde o momento de sua criação. Mas a verdade, é que a  fiel aplicação da norma jurídica decorre mais de certos aspectos da realidade, como a existência de um aparato institucional bem organizado, do que da exatidão de suas palavras. Tome-se como exemplo, que a previsão de sanções no texto legal não garante que ela vai ser aplicada na prática, fato que vai depender da correta atuação da polícia, da celeridade do poder judiciário e da colaboração das entidades de prática desportiva, quando se tratar da identificação de torcedores envolvidos em episódios de violência. Por outro lado, a lei, por vezes, dificulta à consecução de seus fins através de dispositivos mal formulados. De que adianta, por exemplo, a obrigatoriedade da presença, nos estádios, da relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer aos jogos, se nenhuma identificação positiva é feita no momento do ingresso no local do evento desportivo. Junta-se então as imperfeições da lei à uma conjuntura institucional desfavorável e tem-se como resultado a ignorância do disposto no Estatuto do Torcedor.

O Estatuto do Torcedor é realmente observado?

                Recentemente o jornal gaúcho Zero Hora fez publicar em seu site, reportagem mostrando que dos 31 gremistas proibidos de frequentar estádios, 27 ignoram ordem judicial. Esses torcedores foram condenados por promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos desportivos, e tiveram sua pena de reclusão convertida em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, na forma da Lei. Eles deveriam se apresentar à polícia no horário dos jogos e não só descumprem essa determinação judicial, como alguns continuam comparecendo a estádios e se envolvendo em episódios de violência. A reportagem de 19/03 deste ano apresenta inclusive um placar da indisciplina, em que mostra a quantidade de vezes que os gremistas deixaram de se apresentar na delegacia.[5] 

Segundo o parágrafo terceiro do artigo 41-B do Estatuto do Torcedor, a pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. Houve no caso, descumprimento da restrição imposta, entretanto os torcedores envolvidos não tiveram sua pena convertida em privativa de liberdade. É bem verdade que, segundo a reportagem, a juíza Lisiane Barbosa Carvalho, do Primeiro Juizado Especial Criminal, notificou os torcedores neste mês que quem continuasse descumprindo a medida poderia acabar preso.

 Observa-se de modo geral certa cautela na aplicação do disposto na Lei 10671/03 na parte referente aos crimes, e torcedores violentos se beneficiam dessa impunidade para continuarem cometendo atos criminosos e pondo em risco à segurança dos outros torcedores. A conversão da pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento desportivo, prevista no Estatuto do Torcedor, vem servindo de bengala para a atuação de torcedores criminosos que agem na certeza de que não vão parar na cadeia. Além do mais, como exposto anteriormente, quando os atos do Art. 41-B não ficam totalmente impunes, a conversão da pena não é, muitas vezes, sequer observada. O primeiro óbice que se põe é como os torcedores impedidos de frequentar estádios podem ser identificados pela organização do evento desportivo. Sim, pois apesar de o inciso VI do Art. 5° do Estatuto do Torcedor prever que seja publicada na internet a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo, ele não é observado. Tal publicação deve ser feita pela entidade de administração do desporto, no caso do futebol, portanto, pela CBF e federações estaduais. Entretanto não há qualquer referência no site da CBF a essa lista. Esta lista também deve ser afixada ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo, segundo a lei. Mas mesmo que essa condição seja obedecida, como a organização do evento desportivo, em meio à quantidade de público que principalmente o futebol, leva aos estádios, vai conseguir fazer a identificação desses indivíduos? A lei conta que os indivíduos punidos se apresentarão à delegacia no momento do jogo, e que se não o fizerem terão a pena convertida à reclusão. Mas quando isso não ocorre, a simples fixação dos nomes dos impedidos de frequentarem os estádios se mostra inútil. Visto que o que se pede na entrada dos estádios é tão somente o ingresso da partida, e não a carteira de identidade, pois tal fato tornaria a entrada muito demorada. É impossível a identificação dos punidos somente pelo nome,e não seria mais fácil se houvesse também a foto deles.

Outra reportagem, essa veiculada pela rede Globo no programa semanal Fantástico, evidencia que por estarem sempre envolvidos em confusão, 136 torcedores estão banidos dos estádios pela Federação Paulista de Futebol, mas eles ignoram a proibição e até publicam fotos na internet. Um deles, alegou nem saber que estava punido, e a Federação reconhece que não notifica os envolvidos em brigas e diz que não tem como garantir que os torcedores punidos não entrem nos estádios. “Não há o controle desejado porque a Federação Paulista não consegue notificá-los, porque a Polícia Militar não consegue atender a toda a demanda que entra no estádio”, disse o promotor entrevistado.[6] Ora, como esses torcedores saberão da punição se ninguém os avisa?

O artigo 13-A, II preceitua que são condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei, não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência. Na prática, vemos que esse artigo não é cumprido. Como exemplo podemos citar o consumo desenfreado de maconha nos estádios do Rio de Janeiro, sendo que tal prática se dá na maioria das vezes às vistas de policiais que nada fazem diante da situação. É como se a legalização do uso da maconha em diversos países e as frequentes manifestações pela liberalização da maconha no nosso país, tivessem tacitamente revogado a lei que proíbe o seu uso no Brasil, o que é um absurdo. Ao frequentar o estádio de São Januário, a quantidade de cigarros de maconha que um sujeito trazia na bolsa e ia fumando fez inclusive com que eu me indagasse se tal quantidade já não caracterizaria inclusive tráfico de drogas. Naquela ocasião, um avô teve de se retirar com o neto do lugar onde estavam pois este já estava com os olhos irritados tamanha a fumaça provocada pelo consumo da droga. Diante do rigor policial ao fiscalizar o uso de bebidas alcoólicas nos estádios é quase inexplicável sua indiferença diante do uso de maconha.

Quanto ao disposto no inciso VIII do mesmo artigo não é preciso maior esforço exemplificativo visto que a maioria dos cânticos proferidos pelas torcidas organizadas e pelas torcidas dos clubes de maneira geral, incitam a violência contra outras torcidas organizadas e outros clubes. Neste caso específico, me parece bastante difícil impedir que torcedores não incitem a violência através de cânticos, muitas vezes tradicionais dos clubes. Mas como a maioria deles são “puxados” pelas torcidas organizadas, e estas nunca perdem a oportunidade de praticar atos ilícitos de toda a natureza, o simples cumprimento das sanções previstas no Estatuto do Torcedor e no resto do ordenamento jurídico brasileiro diminuiria a frequência de cânticos que incitam a violência e assim diminuiriam a quantidade de ações violentas, ao menos no seu aspecto psicológico. Como vemos, da mesma forma em que temos um ciclo vicioso com vários aspectos da nossa realidade social influenciando negativamente na área desportiva, pode-se também iniciar um ciclo virtuoso provocado pela melhora em uma área específica que influenciaria positivamente no âmbito do desporto.
Em relação ao que preceitua o artigo 13-A, VII, que proíbe o porte e a utilização de fogos de artifício ou quaisquer engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos, é importante fazer algumas observações. Os fogos de artifício e os sinalizadores (me refiro àquele que produz brilho intenso e não ao que é lançado como projétil) sempre protagonizaram um bonito espetáculo nos estádios brasileiros e raramente provocaram acidentes, o que faz com que eu discorde do disposto na lei que prefere proibir a prática ao invés de regulá-la e fiscalizá-la.

O artigo 19 também traz em seu caput norma bastante criticável. Eis o artigo:

Art.19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o artigo 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falha na segurança nos estádios ou mesmo na inobservância do disposto neste capítulo.
Para esclarecer, o art. 15 trata dos detentores do mando de jogo. Neste caso, pode-se fazer referência a um exemplo recente. No jogo entre Vasco da Gama e Corinthians, realizado em Brasília, o Vasco, clube mandante, foi punido pelo incidente ocorrido entre torcidas organizadas dos dois times. Naquela ocasião, a torcida organizada do Corinthians, Gaviões da Fiel, invadiu o espaço destinado à torcida do Vasco gerando briga entre as duas torcidas, diante de agentes de segurança privada que pouco fizeram para evitar o conflito. Ora, um clube de futebol é uma entidade de prática desportiva e não uma agência de segurança. O máximo que o clube detentor do mando de jogo pode fazer quanto à segurança no estádio é o disposto no art. 14 do Estatuto do Torcedor, qual seja:

I - solicitar ao poder público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

II - informar imediatamente após a decisão acerca da realização da partida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança, transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida, especialmente:

a)      O local;
b)      O horário de abertura do estádio;
c)       A capacidade de público do estádio; e
d)      A expectativa de público

Então qual é a causa de se responsabilizar tal entidade, independentemente de culpa como diz a lei? Me parece o Estado se esquivando de suas responsabilidades mais uma vez. O argumento comumente utilizado favorável à existência desse enunciado normativo é o de que o artigo 42, § 3°, da Lei 9615/98, equipara o torcedor ao consumidor, donde perfeita a consagração da responsabilidade objetiva no artigo 19, caput, do Estatuto do Torcedor, fundada na teoria do risco e na hipossuficiência do consumidor-torcedor.[8]
               
 Este fato suscita ainda outras questões relevantes: os torcedores brasileiros estão preparados para a realidade das novas arenas, que não possuem alambrados nem divisórias para separar as torcidas? E será o preço abusivo dos ingressos nas novas arenas uma medida que vise a prevenção da violência, a partir de uma perversa lógica de segregação e discriminação social, diga-se de passagem? A primeira questão foi respondida pelo citado jogo entre Vasco e Corinthians e a resposta é não. A falta de divisória entre as torcidas, naquela ocasião, foi determinante para a violência que se seguiu. Não que eu acredite que torcedores devam ficar “enjaulados” separadamente para não se agredirem mutuamente. Mas enquanto as sanções previstas no Estatuto do Torcedor não forem efetivamente aplicadas e os torcedores não puderem ir tranquilos a um estádio sem divisória, esta medida será necessária.


Possível inconstitucionalidade do Estatuto do Torcedor


                Desde sua criação, o Estatuto do Torcedor recebeu notórias críticas por parte da doutrina a respeito da inconstitucionalidade de certos instrumentos nele contidos, por violarem principalmente a liberdade de associação e a autonomia desportiva. Vale destacar as críticas feitas por Martinho Neves Miranda em seu livro “Direito no Desporto” e por Álvaro de Melo Filho na obra “Direito Desportivo: novos rumos”. Endossando as críticas doutrinárias, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2937/DF, julgada em fevereiro de 2012 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal e que visava a declaração de inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 10671/03. A ADI foi unanimemente rejeitada pelo plenário do STF mas traz em seu bojo argumentos que enriquecem a discussão sobre a efetividade do Estatuto do Torcedor. Afinal, a questão da constitucionalidade de uma lei deve preceder qualquer outra.

                A fundamentação do requerente se baseou em três pontos principais: ocorrência de extravasamento da competência legislativa da União em matéria de desporto, afrontando o artigo 24, inciso IX, e parágrafo primeiro da Constituição Federal, que dispõem ser concorrente a competência legislativa da União, Estados e Distrito Federal sobre desporto e que nesse caso a União deve se limitar ao estabelecimento de normas gerais. Me parece claro que o Estatuto do Torcedor se dedica a minudências, como quando disciplina a forma e o prazo da confecção e entrega das súmulas das partidas,e seu caráter especial fica evidente por só ser aplicável ao desporto profissional. Por outro lado, os Estados mostraram pouco ou nenhum interesse em legislar sobre matéria desportiva e se a União não o fizesse é provável que tal área ficasse carente de regulamentação. Relativamente a essa celeuma e a questão da efetividade do Estatuto do Torcedor, segue parte do voto do relator da referida ADI, Ministro Cezar Peluso:

Nenhum intérprete racional, por mais crédulo que seja, poderia ter convicção sincera de que uma legislação federal sobre competições esportivas que fosse pautada apenas pelo uso de substantivos abstratos, como, por exemplo, princípios de “transparência”, “respeito ao torcedor”, “publicidade” e “segurança”, pudesse atingir um mínimo de efetividade social, sem prever certos aspectos procedimentais imanentes às relações de vida que constituem a experiência objeto da normação. Leis que não servem a nada não são, decerto, o do que necessita este país e, menos ainda, a complexa questão que envolve as relações entre dirigentes e associações desportivas.

Vale ressaltar ainda, nesse ínterim, parecer exarado pela Procuradoria-Geral da República constante no Acórdão:

As afirmações no sentido de que o legislador fixou minúcias as quais somente poderiam ter sido determinadas pelos Estados e Municípios não possuem fundamento, porquanto o que se verifica, na realidade, é que o Estatuto fixa os princípios norteadores da proteção dos direitos do torcedor, estabelecendo ainda os instrumentos que garantirão efetividade a tais princípios. (...) Caso a União não estabelecesse, desde já, os meios que garantem a concretização dos princípios consagrados no diploma legal, estes poderiam permanecer no mundo da abstração, tornando o Estatuto do Torcedor um mero rol de dispositivos normativos destituídos de força cogente.

Nos dois casos observa-se a recorrente preocupação quanto à efetividade das normas contidas no Estatuto do torcedor e que o acompanha desde o momento de sua criação.

Rio de Janeiro, novembro de 2013.

Sylvio Ferreira da Silva
Estudante de Direito da FND-UFRJ
(Faculdade Nacional de Direito-UFRJ)



[1] BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
[2] BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de janeiro: Editora Renovar, 2002.
[3] Projeto de lei do Estatuto do Torcedor. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/100936.pdf>

[4]  Projeto de lei do Estatuto do Torcedor. Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/100936.pdf>

[5] Reportagem do Jornal Zero Hora. Disponível em <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/esportes/gremio/noticia/2013/03/dos-31-gremistas-proibidos-de-frequentar-estadios-27-ignoram-ordem-judicial-4078727.html>
[6] Reportagem veiculada pela Rede Globo. Disponível em <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/09/torcedores-banidos-ignoram-e-publicam-fotos-nos-estadios.html>
[7] BRASIL. LEI 10671/03, de 15 de maio de 2003. Institui o Estatuto do Torcedor.
[8] Parecer da Procuradoria Geral da República quanto à improcedência da ADI 2937/DF. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302>
[9] Voto do Ministro Cezar Peluzo na ADI 2937/DF. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302>
[10] Parecer da Procuradoria Geral da República quanto à improcedência da ADI 2937/DF. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302>