(por: Sylvio Ferreira da Silva - Direito - FND-UFRJ)
Resumo: O projeto visa analisar se o disposto no
Estatuto do Torcedor é realmente observado, se não, as causas de seu não
cumprimento, além de sua influência em eventos desportivos como a Copa do Mundo
e os Jogos Olímpicos a serem realizados no Brasil. Visa também apontar
possíveis soluções para a sua efetivação.
Metas: Identificar entraves ao cumprimento da lei e
apontar possíveis soluções para sua maior efetivação.
Importância: Sendo o Estatuto do Torcedor importante
fonte garantidora de direitos para todos aqueles que apreciam, apoiam ou
acompanham o desporto, e sendo o esporte, integrante do nosso patrimônio cultural
e característica fundamental do sentimento de patriotismo do brasileiro, mister
se faz que o disposto na Lei 10.671 seja de fato observado. E a identificação
de problemas e apontamento de possíveis soluções no texto legal e na sua
aplicação é ponto fundamental desse processo.
O que se entende por efetivação de uma norma?
A efetividade ocorre quando o que a norma jurídica preceitua
é de fato posto em prática, quando há o real cumprimento de suas cláusulas.
Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2009, p:220) afirma que:
A efetividade, em
suma, significa a realização do Direito,
o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização dos
fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto
possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
Na mesma linha de pensamento, Ana Paula de Barcelos (2002,
p:235) ensina:
A realidade é, por natural, um elemento indissociável do
pensamento jurídico, embora não caiba a este reproduzi-la, pois se o direito se
limitasse a repetir a realidade, seria totalmente desnecessário. Porém, existe
uma distância máxima que há de mediar entre o dever ser normativo e o ser do
mundo dos fatos, para que continue a existir comunicação entre os dois mundos e
a realidade mantenha, assim, um movimento progressivo de aproximação do dever
ser. Ultrapassado esse limite, e rompido esse equilíbrio, o direito perde a
capacidade de se comunicar com os fatos.
O
escopo do presente trabalho é exatamente analisar se essa distância máxima
entre a realidade fática e o previsto pelo Estatuto do Torcedor está sendo
observada.
Breve Contextualização histórica
A Lei 10671/2003 denominada Estatuto de Defesa do Torcedor
foi criado com o fito de fornecer ao consumidor do esporte instrumento adequado
a atender suas demandas e necessidades específicas. Vale ressaltar o cenário de
recorrente violência nos estádios quando de sua criação e as CPIs do futebol,
que expuseram a falta de regras que
disciplinassem a atuação dos dirigentes de clubes além da utilização de certos
artifícios à margem da lei, como contratos informais, movimentações financeiras
em paraísos fiscais, e propinas. O Estatuto do Torcedor foi alterado pela Lei
12299/2010 que dispõe a respeito de medidas de prevenção e repressão aos
fenômenos de violência por ocasião de competições esportivas, e acrescentou e
alterou diversos dispositivos da Lei 10671/03. A Lei Geral da Copa, a seu
turno, acrescentou o inciso X ao artigo 13-A, que dispõe sobre a não utilização
de bandeiras e similares para outros fins que não o da manifestação festiva e
amigável.
O projeto de lei que deu origem ao Estatuto foi enviado ao
congresso em 2002, ainda no governo de Fernando Henrique Cardozo. O projeto
ressaltava a importância da organização desportiva no Brasil, reconhecida como
patrimônio cultural brasileiro e destacava o torcedor como elemento fundamental
para sobrevivência e desenvolvimento do esporte, mas que a despeito de sua
importância tinha seus direitos humanos e de consumidor flagrantemente
desrespeitados. Destacava ainda, a ineficiência da equiparação do torcedor com
o consumidor feita pela Lei Pelé, visto que certas lesões sofridas pelos
torcedores ou não tinham previsão expressa no Código do Consumidor ou possuíam
interpretação divergente de seu alcance. No trecho transcrito a seguir, nota-se
a influência que tiveram alguns eventos na elaboração do Estatuto do Torcedor:
Face aos inúmeros acidentes envolvendo torcedores em eventos
esportivos, restou estabelecido como direito do torcedor a realização de
competições em local seguro e com as mínimas condições de higiene, com a
garantia de seguro de acidentes pessoais, orientação interna e externa nos
estádios, e implementação de planos de ação referentes à segurança, transporte
e possíveis contingências.
Entre os acidentes, anteriores a criação do Estatuto,
envolvendo torcedores em eventos desportivos, o único ao qual o texto do projeto
de lei faz clara referência é o ocorrido entre o Vasco da Gama e o São Caetano
na decisão da Copa João Havelange de 2000, em que inúmeros torcedores ficaram
feridos após a queda do alambrado do estádio de São Januário. O texto atribui
tal incidente a falta de legislação protetora e à impunidade decorrente dessa
situação crítica. Sobram exemplos de situações parecidas. Na decisão do
Campeonato Brasileiro de 1992, por exemplo, a superlotação do Maracanã deixou
três mortos e 90 feridos. E para provar que os incidentes não aconteciam só em
jogos de grande vulto, em 1995, um torcedor morreu e outros 101 ficaram feridos
durante briga entre palmeirenses e são-paulinos, no Pacaembu, na final da
Supercopa de Futebol Junior. Cabe ressaltar a preocupação em coibir a
inobservância dos dispositivos propostos:
Com o intuito de que o presente projeto não caia no
esquecimento, e produza os efeitos idealizados pelo Grupo de Trabalho e por
milhões de torcedores, fixaram-se sanções para coibir a inobservância dos
dispositivos propostos, de acordo com a natureza da infração, cabendo desde a
destituição ou suspensão dos dirigentes esportivos, até o impedimento e a
suspensão de benefícios fiscais.
Observa-se aqui ulterior preocupação quanto ao real
cumprimento da lei, tendo sido fixadas sanções para coibir seu descumprimento.
O que mostra que a falta de efetividade do Estatuto do Torcedor já era
imaginada desde o momento de sua criação. Mas a verdade, é que a fiel aplicação da norma jurídica decorre mais
de certos aspectos da realidade, como a existência de um aparato institucional
bem organizado, do que da exatidão de suas palavras. Tome-se como exemplo, que
a previsão de sanções no texto legal não garante que ela vai ser aplicada na
prática, fato que vai depender da correta atuação da polícia, da celeridade do
poder judiciário e da colaboração das entidades de prática desportiva, quando
se tratar da identificação de torcedores envolvidos em episódios de violência.
Por outro lado, a lei, por vezes, dificulta à consecução de seus fins através
de dispositivos mal formulados. De que adianta, por exemplo, a obrigatoriedade
da presença, nos estádios, da relação dos nomes dos torcedores impedidos de
comparecer aos jogos, se nenhuma identificação positiva é feita no momento do
ingresso no local do evento desportivo. Junta-se então as imperfeições da lei à
uma conjuntura institucional desfavorável e tem-se como resultado a ignorância
do disposto no Estatuto do Torcedor.
O Estatuto do Torcedor é realmente observado?
Recentemente
o jornal gaúcho Zero Hora fez publicar em seu site, reportagem mostrando que
dos 31 gremistas proibidos de frequentar estádios, 27 ignoram ordem judicial.
Esses torcedores foram condenados por promover tumulto, praticar ou incitar a
violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos desportivos, e
tiveram sua pena de reclusão convertida em pena impeditiva de comparecimento às
proximidades do estádio, na forma da Lei. Eles deveriam se apresentar à polícia
no horário dos jogos e não só descumprem essa determinação judicial, como
alguns continuam comparecendo a estádios e se envolvendo em episódios de
violência. A reportagem de 19/03 deste ano apresenta inclusive um placar da
indisciplina, em que mostra a quantidade de vezes que os gremistas deixaram de
se apresentar na delegacia.
[5]
Segundo o parágrafo terceiro do artigo 41-B do Estatuto do Torcedor, a pena
impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer
local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de
liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.
Houve no caso, descumprimento da restrição imposta, entretanto os torcedores
envolvidos não tiveram sua pena convertida em privativa de liberdade. É bem
verdade que, segundo a reportagem, a juíza Lisiane Barbosa Carvalho, do
Primeiro Juizado Especial Criminal, notificou os torcedores neste mês que quem
continuasse descumprindo a medida poderia acabar preso.
Observa-se de modo
geral certa cautela na aplicação do disposto na Lei 10671/03 na parte referente
aos crimes, e torcedores violentos se beneficiam dessa impunidade para
continuarem cometendo atos criminosos e pondo em risco à segurança dos outros
torcedores. A conversão da pena de reclusão em pena impeditiva de
comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se
realize evento desportivo, prevista no Estatuto do Torcedor, vem servindo de
bengala para a atuação de torcedores criminosos que agem na certeza de que não
vão parar na cadeia. Além do mais, como exposto anteriormente, quando os atos
do Art. 41-B não ficam totalmente impunes, a conversão da pena não é, muitas
vezes, sequer observada. O primeiro óbice que se põe é como os torcedores
impedidos de frequentar estádios podem ser identificados pela organização do
evento desportivo. Sim, pois apesar de o inciso VI do Art. 5° do Estatuto do
Torcedor prever que seja publicada na internet a relação dos nomes dos
torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo, ele não é
observado. Tal publicação deve ser feita pela entidade de administração do
desporto, no caso do futebol, portanto, pela CBF e federações estaduais.
Entretanto não há qualquer referência no site da CBF a essa lista. Esta lista
também deve ser afixada ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente
legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o
evento esportivo, segundo a lei. Mas mesmo que essa condição seja obedecida,
como a organização do evento desportivo, em meio à quantidade de público que
principalmente o futebol, leva aos estádios, vai conseguir fazer a identificação
desses indivíduos? A lei conta que os indivíduos punidos se apresentarão à delegacia
no momento do jogo, e que se não o fizerem terão a pena convertida à reclusão.
Mas quando isso não ocorre, a simples fixação dos nomes dos impedidos de
frequentarem os estádios se mostra inútil. Visto que o que se pede na entrada
dos estádios é tão somente o ingresso da partida, e não a carteira de
identidade, pois tal fato tornaria a entrada muito demorada. É impossível a
identificação dos punidos somente pelo nome,e não seria mais fácil se houvesse
também a foto deles.
Outra reportagem, essa veiculada pela rede Globo no programa
semanal Fantástico, evidencia que por estarem sempre envolvidos em confusão,
136 torcedores estão banidos dos estádios pela Federação Paulista de Futebol,
mas eles ignoram a proibição e até publicam fotos na internet. Um deles, alegou
nem saber que estava punido, e a Federação reconhece que não notifica os
envolvidos em brigas e diz que não tem como garantir que os torcedores punidos
não entrem nos estádios. “Não há o controle desejado porque a Federação
Paulista não consegue notificá-los, porque a Polícia Militar não consegue
atender a toda a demanda que entra no estádio”, disse o promotor entrevistado.
[6] Ora,
como esses torcedores saberão da punição se ninguém os avisa?
O artigo 13-A, II preceitua que são condições de acesso e
permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições
previstas em lei, não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou
suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência. Na
prática, vemos que esse artigo não é cumprido. Como exemplo podemos citar o
consumo desenfreado de maconha nos estádios do Rio de Janeiro, sendo que tal
prática se dá na maioria das vezes às vistas de policiais que nada fazem diante
da situação. É como se a legalização do uso da maconha em diversos países e as
frequentes manifestações pela liberalização da maconha no nosso país, tivessem
tacitamente revogado a lei que proíbe o seu uso no Brasil, o que é um absurdo.
Ao frequentar o estádio de São Januário, a quantidade de cigarros de maconha
que um sujeito trazia na bolsa e ia fumando fez inclusive com que eu me
indagasse se tal quantidade já não caracterizaria inclusive tráfico de drogas.
Naquela ocasião, um avô teve de se retirar com o neto do lugar onde estavam
pois este já estava com os olhos irritados tamanha a fumaça provocada pelo
consumo da droga. Diante do rigor policial ao fiscalizar o uso de bebidas
alcoólicas nos estádios é quase inexplicável sua indiferença diante do uso de
maconha.
Quanto ao disposto no inciso VIII do mesmo artigo não é
preciso maior esforço exemplificativo visto que a maioria dos cânticos
proferidos pelas torcidas organizadas e pelas torcidas dos clubes de maneira
geral, incitam a violência contra outras torcidas organizadas e outros clubes.
Neste caso específico, me parece bastante difícil impedir que torcedores não
incitem a violência através de cânticos, muitas vezes tradicionais dos clubes.
Mas como a maioria deles são “puxados” pelas torcidas organizadas, e estas
nunca perdem a oportunidade de praticar atos ilícitos de toda a natureza, o
simples cumprimento das sanções previstas no Estatuto do Torcedor e no resto do
ordenamento jurídico brasileiro diminuiria a frequência de cânticos que incitam
a violência e assim diminuiriam a quantidade de ações violentas, ao menos no
seu aspecto psicológico. Como vemos, da mesma forma em que temos um ciclo
vicioso com vários aspectos da nossa realidade social influenciando
negativamente na área desportiva, pode-se também iniciar um ciclo virtuoso
provocado pela melhora em uma área específica que influenciaria positivamente no
âmbito do desporto.
Em relação ao que preceitua o artigo 13-A, VII, que proíbe o
porte e a utilização de fogos de artifício ou quaisquer engenhos pirotécnicos
ou produtores de efeitos análogos, é importante fazer algumas observações. Os
fogos de artifício e os sinalizadores (me refiro àquele que produz brilho
intenso e não ao que é lançado como projétil) sempre protagonizaram um bonito
espetáculo nos estádios brasileiros e raramente provocaram acidentes, o que faz
com que eu discorde do disposto na lei que prefere proibir a prática ao invés
de regulá-la e fiscalizá-la.
O artigo 19 também traz em seu caput norma bastante
criticável. Eis o artigo:
Art.19. As entidades responsáveis pela organização da
competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades
de que trata o artigo 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de
culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falha na segurança
nos estádios ou mesmo na inobservância do disposto neste capítulo.
Para esclarecer, o art. 15 trata dos detentores do mando de
jogo. Neste caso, pode-se fazer referência a um exemplo recente. No jogo entre
Vasco da Gama e Corinthians, realizado em Brasília, o Vasco, clube mandante,
foi punido pelo incidente ocorrido entre torcidas organizadas dos dois times.
Naquela ocasião, a torcida organizada do Corinthians, Gaviões da Fiel, invadiu
o espaço destinado à torcida do Vasco gerando briga entre as duas torcidas,
diante de agentes de segurança privada que pouco fizeram para evitar o
conflito. Ora, um clube de futebol é uma entidade de prática desportiva e não
uma agência de segurança. O máximo que o clube detentor do mando de jogo pode
fazer quanto à segurança no estádio é o disposto no art. 14 do Estatuto do
Torcedor, qual seja:
I - solicitar ao poder público competente a presença de
agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela
segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de
realização de eventos esportivos;
II - informar imediatamente após a decisão acerca da
realização da partida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança,
transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida,
especialmente:
a)
O local;
b)
O horário de abertura do estádio;
c)
A capacidade de público do estádio; e
d)
A expectativa de público
Então qual é a causa de se responsabilizar tal entidade,
independentemente de culpa como diz a lei? Me parece o Estado se esquivando de
suas responsabilidades mais uma vez. O argumento comumente utilizado favorável à
existência desse enunciado normativo é o de que o artigo 42, § 3°, da Lei
9615/98, equipara o torcedor ao consumidor, donde perfeita a consagração da
responsabilidade objetiva no artigo 19, caput, do Estatuto do Torcedor, fundada
na teoria do risco e na hipossuficiência do consumidor-torcedor.
[8]
Este
fato suscita ainda outras questões relevantes: os torcedores brasileiros estão
preparados para a realidade das novas arenas, que não possuem alambrados nem
divisórias para separar as torcidas? E será o preço abusivo dos ingressos nas
novas arenas uma medida que vise a prevenção da violência, a partir de uma
perversa lógica de segregação e discriminação social, diga-se de passagem? A
primeira questão foi respondida pelo citado jogo entre Vasco e Corinthians e a
resposta é não. A falta de divisória entre as torcidas, naquela ocasião, foi
determinante para a violência que se seguiu. Não que eu acredite que torcedores
devam ficar “enjaulados” separadamente para não se agredirem mutuamente. Mas
enquanto as sanções previstas no Estatuto do Torcedor não forem efetivamente
aplicadas e os torcedores não puderem ir tranquilos a um estádio sem divisória,
esta medida será necessária.
Possível inconstitucionalidade do Estatuto do Torcedor
Desde
sua criação, o Estatuto do Torcedor recebeu notórias críticas por parte da doutrina
a respeito da inconstitucionalidade de certos instrumentos nele contidos, por
violarem principalmente a liberdade de associação e a autonomia desportiva.
Vale destacar as críticas feitas por Martinho Neves Miranda em seu livro
“Direito no Desporto” e por Álvaro de Melo Filho na obra “Direito Desportivo:
novos rumos”. Endossando as críticas doutrinárias, foi proposta a Ação Direta
de Inconstitucionalidade 2937/DF, julgada em fevereiro de 2012 pelo plenário do
Supremo Tribunal Federal e que visava a declaração de inconstitucionalidade de
alguns dispositivos da Lei 10671/03. A ADI foi unanimemente rejeitada pelo
plenário do STF mas traz em seu bojo argumentos que enriquecem a discussão
sobre a efetividade do Estatuto do Torcedor. Afinal, a questão da constitucionalidade
de uma lei deve preceder qualquer outra.
A
fundamentação do requerente se baseou em três pontos principais: ocorrência de
extravasamento da competência legislativa da União em matéria de desporto,
afrontando o artigo 24, inciso IX, e parágrafo primeiro da Constituição
Federal, que dispõem ser concorrente a competência legislativa da União,
Estados e Distrito Federal sobre desporto e que nesse caso a União deve se
limitar ao estabelecimento de normas gerais. Me parece claro que o Estatuto do
Torcedor se dedica a minudências, como quando disciplina a forma e o prazo da
confecção e entrega das súmulas das partidas,e seu caráter especial fica
evidente por só ser aplicável ao desporto profissional. Por outro lado, os
Estados mostraram pouco ou nenhum interesse em legislar sobre matéria
desportiva e se a União não o fizesse é provável que tal área ficasse carente
de regulamentação. Relativamente a essa celeuma e a questão da efetividade do
Estatuto do Torcedor, segue parte do voto do relator da referida ADI, Ministro
Cezar Peluso:
Nenhum intérprete racional, por mais crédulo que seja,
poderia ter convicção sincera de que uma legislação federal sobre competições
esportivas que fosse pautada apenas pelo uso de substantivos abstratos, como,
por exemplo, princípios de “transparência”, “respeito ao torcedor”,
“publicidade” e “segurança”, pudesse atingir um mínimo de efetividade social,
sem prever certos aspectos procedimentais imanentes às relações de vida que
constituem a experiência objeto da normação. Leis que não servem a nada não
são, decerto, o do que necessita este país e, menos ainda, a complexa questão
que envolve as relações entre dirigentes e associações desportivas.
Vale ressaltar ainda, nesse ínterim, parecer exarado pela
Procuradoria-Geral da República constante no Acórdão:
As afirmações no sentido de que o legislador fixou minúcias
as quais somente poderiam ter sido determinadas pelos Estados e Municípios não
possuem fundamento, porquanto o que se verifica, na realidade, é que o Estatuto
fixa os princípios norteadores da proteção dos direitos do torcedor,
estabelecendo ainda os instrumentos que garantirão efetividade a tais
princípios. (...) Caso a União não estabelecesse, desde já, os meios que
garantem a concretização dos princípios consagrados no diploma legal, estes poderiam
permanecer no mundo da abstração, tornando o Estatuto do Torcedor um mero rol
de dispositivos normativos destituídos de força cogente.
Nos dois casos observa-se a recorrente preocupação quanto à efetividade
das normas contidas no Estatuto do torcedor e que o acompanha desde o momento
de sua criação.
Rio de Janeiro, novembro de 2013.
Sylvio Ferreira da Silva
Estudante de Direito da FND-UFRJ
(Faculdade Nacional de Direito-UFRJ)